ARIOVALDO, neguinho travesso, arisco, 11 anos, bom de bola, magro de fome. Os pais de Ariovaldo não tiveram estudo, coisa que com muito custo o menino teve numa escola municipal. Mas o que Ariovaldo queria na vida não era ser “dotô”, era ser mesmo jogador. Queria ser atacante do Botafogo que nem o Mané Garrincha, de tanto que lhe falava o seu vô Bernardino.Ari, pai de Ariovaldo, não apostava no futebol que o moleque jogava na lama, nas ruas estreitas da favela, fazendo firulas e fazendo fila com os dribles desconcertantes em seus amiguinhos. Ari sonhava com Ariovaldo numa faculdade. A mãe de Ariovaldo, ainda ia mais longe, queria o garoto como engenheiro, para que ele pudesse construir para a família uma casa de verdade. A família do garoto não acreditava em sua habilidade como atacante, de correr e driblar. Mas o tempo passou, Ariovaldo cresceu e sua família não investiu em seu talento como jogador de futebol. Porém, na favela houve quem acreditasse no seu talento de correr e driblar: o tráfico.Ariovaldo saiu da escola no momento em que descobriu um jeito de ganhar muito dinheiro num curto prazo de tempo, numa atividade que quase não exigia seu esforço. Sua mãe, apesar do conforto que Ariovaldo estava dando para sua família com o dinheiro sujo do tráfico, morreu de desgosto por ver o filho arriscando a vida e tirando outras.A sua parte consistia em ser o atravessador para os traficas do asfalto. Ele levava a droga e vendia para os playboys, que revendiam mais caro para outros playboys que não tinham peito de subir o morro atrás do barato. Ariovaldo não era mais Ariovaldo, pela sua estatura e sua magreza de dar dó, era conhecido como Caveirinha.O traficante Caveirinha já não driblava no futebol como fazia Ariovaldo, usava suas firulas e sua velocidade para escapar dos cana. Não dava mais passes para o gol, passava de 5 e de 10.Quando o pipoco comia solto, corria como costumava correr para o ataque, chegava a ver o gol na sua frente para o pontapé que iria desencadear a alegria de milhões de torcedores. Pedalava para se esconder nas sombras quando apontava na esquina a veraneio vascaína. Pulava muros e telhados como nos treinos mais rígidos dos campeonatos. Caveirinha era respeitado tanto na defesa da boca quanto no ataque contra aqueles que invadiam a sua área, ele não tinha pena de entrar de carrinho e cometer faltas perigosíssimas. Tinha raça! Se garantia na porrada, quando pintava treta nos bailes funk da vida e sujava os punhos com o sangue dos irmãos treteiros. Riscava no ar seu punhal, presente de algum Exu do terreiro de mãe Pretinha, e chamava pra briga na capoeira com a ginga de um goleador.Caveirinha foi ganhando nome e posição. Já estava visando um negócio de craque. Mas sua frustração veio quando viu que crack no Rio, não dava IBOPE. Tinha que expandir fronteiras, ganhar a confiança do testa-de-ferro da boca e dos gringos para negociar o crack pro exterior. Aí, sim, quando voltasse para o Brasil depois de se internacionalizar, teria mais crédito e entraria para a seleção do tráfico internacional.Caveirinha abandonou a família e como já estava marcado, foi morar fora do estado. Em São Paulo mexeu com seqüestro, extorsão, armas pesadas, assassinatos e já era muito requisitado na lista do “Procura-se”.Certo dia, o vô Bernardino foi parar num Pronto-Socorro lá no Rio de Janeiro. Estava muito mal, pelo que relatou um de seus primos. O seu avô era o único que em toda sua vida queria vê-lo defendendo a Estrela Solitária com toda a maestria e o talento com que havia nascido. Seu avô sonhava em vê-lo jogar e ser campeão pelo Botafogo!Caveirinha vestiu a camisa do seu clube do coração e largou tudo para encontrar com o seu avô no Hospital no Rio de Janeiro. Mas não esperava ele, que o destino fosse lhe aprontar uma peça. Algum dedo-de-seta avisou pros cana que ele estava indo para o Rio. Foi só chegar na rodoviária que a Polícia, numa ação de contra-ataque, o pegou com a defesa vendida e marcou um golaço: prendeu Caveirinha, que sem reação, apático e abatido perdeu a partida. Enquanto dava o seu depoimento na delegacia, seu avô Bernardino morria sem nem sequer ter sido atendido por causa dos poucos médicos que haviam de plantão. Culpa da greve. Culpa do estado.Condenado por muitos e muitos anos de prisão por tráfico de drogas, seqüestro, assassinato, assalto a mão armada, extorsão, formação de quadrilha, entre muitos outros títulos, não restou opção a Caveirinha: formou com outros detentos um time de futebol na penitenciária de segurança máxima.No chão, com piso de cimento, duro e áspero, diferente da maciez da lama de sua rua em que jogava com seus amigos, ele fazia a festa. Levava a torcida da ala 07 ao delírio. Não tinha tempo ruim, com chuva ou com sol, o atacante fazia gol de falta, de bicicleta, de letra, driblava um, dois, três e levava o goleiro adversário para buscar a bola no fundo da rede.Na final do primeiro campeonato da penitenciária estadual, todos pararam o que estavam fazendo para assistir ao jogo. Dos detentos até o diretor do presídio. Ala 07 versus ala 12. Foi uma goleada espetacular de 5 a 1 para o time da ala 07, onde o seu craque principal marcou 3 dos 5 gols.Terminada a partida, ao erguer a humilde taça, feita pelos detentos que trabalhavam na oficina, sentiu descer as lágrimas dos olhos. A torcida agradecida gritava pelo seu nome:__ Ariovaldo! Ariovaldo! Ariovaldo!...
17 de set. de 2010
Ariovaldo
15 de set. de 2010
A Santa
8 de set. de 2010
Do Homem
Do homem
Deixei passar pela fresta um pouco de luz, mas mesmo assim desliguei toda a minha preocupação com o que pudesse acontecer comigo no exato momento que dei por conta de que me adentrava por um universo feminino, estranho e diferente. Lembro que nessa noite dormia como um anjo, nem se preocupando com a inesperada natureza de um estranho, que até então era. Esta era a sensação que lembrava da primeira vez em que dormi em seu apartamento. Era um misto de medo, insatisfação com o desconhecido, tesão, poder e confesso que conforto também. Tinha sido Carnaval ontem. Estávamos nus e abraçados. Soltos em um lençol que não nos comportava pelo calor. Antes de se declarar presente – o seu perfume – morria entre a cova de suas bochechas e me alardeava, depois durante os dias, por viver pensando em uma mulher que conheci em um dia, em uma rua, em uma praça, lotada vazia de pessoas interessantes, mas antes, ali estava, parecendo me esperar com um Top Abada, dançando um ritimo que deixava o seu corpo mostrar um certo tom de erotismo. Poucos homens hoje em dia se confessam seduzidos ou até mesmo apaixonados. Estive sim, apaixonado por uma transeunte, por uma mulher que eu nem conhecia realmente. Meu coração estava solto em um espaço de tempo e fora, completamente fora de razão. Parecia que a conhecia de séculos e a verdade é que eu me via louco a esperar por ela quase que sempre quando sentia que a perderia. A libido sempre vinha como desculpa e tomava as rédeas do que seria uma pura e simples paixão, nunca a frisei como tal, mas perdia cada vez mais a tal da “intocável razão masculina”. Sentia me vender mais e mais aos seus caprichos de canceriana e sempre perdia a minha autonomia. Ia guardando ela em um fosso, junto com a minha auto estima também. Acho que nenhum homem se apaixona mais. Todos os outros não pensam como eu, mas creio que alguns sim.
Volto de uma praia vazia. Devia ter ido para o sossego da lagoa, mas eu quis apenas ver o movimento da rua ou até mesmo encontra-la, para tomarmos juntos o espumante que comprei para o nosso primeiro reveilon. Guardo uma taça para caso alguém apareça. Ouço fogos, gritos e sons de festejo, mas ainda sim só sou eu, minha garrafa e taça de Champagne. Descalço, de branco, sem abraços ou qualquer tipo de menção honrosa por ter passado por um período de tempo, um ano, um mês sufocado por não conseguir mais dizer volta e fazer voltar. Era apenas mais um ano em que fiquei um pouco mais distraído, mas agora nem tanto, perdi minhas gostosas preocupações. Há muito tempo não pensava só em mim, mas às vezes eu sentia falta de pensar nela, e quase sempre quando isso acontece sinto o abraço de uma forte melancolia que me come longos períodos de lapsos, em que perco fome e sono. Estou tomando anti-depressivos, mas é de vez em quando, quando eu lembro que estou triste... Mas acho que vivo uma vida normal, que infelizmente é agora, não sei, mas todos os outros pensam assim...Menos eu...
O perfume de Viane me completava a sala. Era uma entidade onipresente em minha casa, me tirava a alma e me deixava quase sempre semi-nu Me espreitava ao sair do banho e me lembrava que eu era só no fim do Ano. Não me incomodava mais as suas coisas dispersas e absortas pela sala, desdizendo e destoando com a decoração masculina habitual, não me importava mais os seus vestidos guardados como troféus em meu armário... Era a minha conquista mais austera. A mulher mais bem esculpida e sensualmente feita. Parecia tenaz em meu peito, me sufocando, fazendo-me lembrar que tenho um coração, que tenho alma, saliva, boca, sexo... Apenas voei em meus pensamentos e dexei-me levar pelo falso e enganoso perfume de Viane, que me fendia as portas, escancarava meu peito e me dizia que agora estava só como os outros.
6 de set. de 2010
O catedrático.
Ele tinha mesmo a razão ao escrever umas palavras. Parte dele ficou em mim... não foi somente a gestação de uns versos ou coisa que valha. Quando fazíamos amor e depois eu chegava em casa, ainda ficava empreguinada dele...minha pele exalava seu cheiro. Mas não é bem isso que eu ia dizer. O que eu ia dizer é que parte dele ficou em mim sim. Quando tomei alta do hospital me veio a revelação e era mais que uma boa nova. Estou grávida. Grávida? Grávida! Ohh... grávida!! O mundo me dizia. Um fruto maturando em meu ventre...Sim.
15 de abr. de 2010
A Descoberta do Tempo
- Onde posso encontrar o sábio Daestiny? - pergunta no templo principal de Ur ao sacerdote menor Tabek.
- Você não pode entrar sempre aqui com essa sua empáfia e sem obedecer os ritos completos para falar com os sacerdotes maiores, profeta estrangeiro.
- Diga ao mestre Tonsei que eu já me ajoelhei diante de todos os ritos nos templos menores e busquei o selo de todos os templos médios na primeira vez em que nos encontramos. Quando fiz isso, apenas por respeito, obtive permissão para falar com ele. E, apenas por respeito...
Eis que mestre Tonsei irrompe sala a dentro mexendo rapidamente com as mãos para que todos saiam.
Galmesh senta sobre uma das almofadas luxuosas que compõe a sala de trono do templo onde estão e observa sorrindo os guardas e sacerdotes saírem.
- Minhas sinceras saudações, Tonsei.
- Profeta insolente, como ousa?
- Construo clepsidras, lembra? Gozo do privilégio dos construtores.
- Herege!
- Alto lá!- o profeta interrompe o sacerdote em voz alta, levantando-se da almofada.
Tonsei emudece sob o olhar sério de Galmesh.
- Cumpri os seus ritos mais absurdos apenas para ter a chance de ter uma entrevista com um homem que se arroga o direito de ser chamado de Sua Santidade. Discuti com este homem que ao organizar a sua doutrina poderia fazê-lo sem esta "ritualística" desnecessária. Expliquei a esse mesmo homem no que podem crer os homens que respeitam as falas da alma e da natureza e que as palavras de ordem devem querer sempre o bem dos homens.
- Você não acredita em nossos valores.
- Eu me expliquei a você por acreditar no entendimento e não só na espada.
Tonsei estava visivelmente perturbado com a presença daquele estrangeiro que parecia não temer a morte que poderia decretar-lhe a qualquer momento. Não podia negar o profundo respeito conquistado ao vê-lo derrotar facilmente dois de seus guardas apenas para uma entrevista em sua última visita.
- E não violei o segredo de nossa conversa anterior.
- Eles estão nos ouvindo escondidos.
- Não me importa. Não tenho a intenção de fazer o povo enxergar a tirania que sua religião impôs às pessoas para que vocês vivessem no luxo. Quero apenas estar livre das obrigações impostas aos outros pelos seus costumes.
- A sua presença na cidade já é uma afronta a minha autoridade e ainda me pede para afrontar a crença?
- Seus guardas têm a minha palavra de que não irei abusar de meus direitos e não excederei em nada que possa ser considerado heresia.
- Que assim seja. Vá procurar Daestiny nas catacumbas. Os guardas o escoltarão.
- Assim seja. Que a luz se faça, Tonsei.
11 de mar. de 2010
A Maldição da Lojinha Holística ou Pierrot e o azarado
Você sabe como é, a memória anda de braço dado com a vergonha e nos esconde os momentos inglórios descaradamente. Logo, peço antecipadamente minhas desculpas, pois vou tentar descrever essa minha quase-memória como uma confissão, sem poupá-los dos detalhes ridículos que gostaria de esquecer.
Sempre fui um solitário cético e recluso. Viveria tranqüilamente indo de casa para o trabalho religiosamente sem buscar qualquer distração que me forçasse a sair de minha toca ou me afastasse de minhas coleções de livros.
Mas havia Lígia em minha vida.
Somente Lígia conseguia me arrastar para rua e me pôr em contato com outros seres humanos, contra minha vontade na maioria das vezes.
Ela era solar e mística, adorava dançar, conversar nos bares e perseguir uma resposta existencial. Eu era totalmente o oposto mas, hipnotizado pelo amor, fazia tudo que ela me pedia, tudo mesmo, sem reclamar ou demonstrar mau humor.
Mas ela sabia do que eu não gostava. E sempre arranjava uma forma de me criticar ou de expor minha "cárie cínica", minha total falta de fé.
23 de fev. de 2010
O retorno das coisas que se jogam no mar ou O Pierrot e a Ressaca
Leme pela manhã ainda estava vazia, mesmo com um sol escaldante...
O cheiro apodrecia até mesmo a onda, que ao se chocar com o corpo, levantava um spray cinza, espirrando em qualquer curioso que tentasse descobrir ou xeretar alguma coisa da natureza do corpo ou porco...
O dia esquentou. A tarde ardeu. E a noite apenas esfriou um pouco...
Um agrupamento de pessoas se formava em frente a uma banca, que mostrava as novidades que aconteciam sobre o estranho caso, que passava agora no Jornal Nacional.
“E agora, hotéis beira mar estavam sendo esvaziados em massa, daquilo que se chamou uma “catástrofe” sem medidas ou explicações. As pessoas e até mesmo os repórteres estavam sendo proibidos de tratar o assunto como “o corpo”, já que uma névoa já empesteava leme, Copacabana e Ipanema. Nevoa formada pelo “spray” que a onda fazia ao se chocar com “o objeto” que estava a beira d’ água... Um cordão de isolamento fechou toda a linha das calçadas na extensão de Copacabana até o Leblon, já que a língua negra formada pelo objeto se espalhara por toda orla...”
- Esse idiotas, não sabem que outras coisas irão voltar do mar – Resmungou uma mendiga sentada olhando o noticiário defronte a uma banca de jornal, ao lado estava um homem, não era apenas um homem, mas um curioso assistente e pesquisador, para ser mais específico o primeiro detetive de coisas sobrenaturais do Brasil, que recentemente abrira um escritório-prostibulo, com uma placa com o olho que tudo vê no meio da bandeira brasileira dizia que era do “discipulado Crowleyano”, que jogava cartas e previa o futuro. No jornal dizia que foi “um dos consultores a terminar com o mistério do triângulo das bermudas e que participou de exorcismos e dos rituais anti-poltergeistianos que limparam Amythville”. Seu escritório ficava no final da prado júnior. Um francês radicalizado brasileiro há pelo menos vinte anos atrás, era ele: Antoine d’u Pierrot, mago bunda-mole, simpatizante do candomblé e o menos importante no meio de toda aquela confusão, que apesar de tudo, ainda era um dos homens mais ingênuos a pisar na logística forense brasileira.
- Com licença senhora... O que a senhora disse? – Perguntou Pierrot a mendiga.
- Eu disse, seu gringo estúpido, que essas pessoas idiotas não sabem de merda nenhuma, eu já sábia há muito tempo que isso iria acontecer, só me disseram quando estaria perto, mas o dia ninguém nunca me precisou...
- Mas como a senhora sabia?
- Os urubus ora! Eles são os moradores mais antigos de Copacabana e o mais sábio deles, o líder, pra ser exata, me disse que o mar estava furioso, e um dia iria voltar com todas as coisas podres que mandaram para ele, até hoje...
Agora, realmente, eu comecei o meu dia, mas como acreditar em uma mendiga quando ela disse que foi um “urubu” que a contou que esse estranho fato aconteceria realmente? Acho que as coisas andam mais inacreditáveis que eu posso fazer ou pensar, então, eu a tomo pelo braço e pergunto onde eu posso encontrar esse tal líder dos urubus, antes que o mar se revolte e mande mais das suas coisas podres de volta... Ainda bem, estava cansado de ficar com a bunda no escritório o dia inteiro sem fazer nada...