7 de set. de 2013

Eros, o anjo caído



Ao chegar em casa à noite liguei a tevê em um desses shows de auditório mondo cane tentando me alienar.
Não dava. Era uma afronta muito grande ao intelecto.
Parti então para a rede.
Antes fosse a rede de verdade que Samael, em nosso encontro do ônibus, disse haver comprado.
Alienar-se, amigo, só na rede de intrigas sociais. Bobagem e fofoca. Curto e compartilho. Minha linda filha, meu prato predileto, minha nova namorada, meus poemas geniais, minhas frases de auto ajuda. Meu egoísmo e limitação, sem censura, vinte e quatro horas no ar.
Adoro paradoxos. Como um desfile tão grande de egos é tão divertido?
Antes isso do que crack.

Depois de horas algemado ao teclado, a vontade de beber uma cerveja me empurrou a rua. Ainda me considero 20% normal pelo menos.
No bar, mais um dos caídos que encontraria no dia.
Eros adorava andar com putas e as tratava como rainhas. No fim, ele acordava no canto da cama e com uma puta fria e interesseira, não importa a rainha que ele escolhesse.
Estava bebendo sua trigésima milionésima decepção há meses.
Disse-lhe que não via coragem nas relações devido a falta de companheirismo e intimidade. Que todos estão exercitando mais o ego do que a tolerância e a fuga do compromisso é a tônica de nossos dias.
Sem muito refletir ele me disse:

A intimidade não revela o quanto podemos ser tolerantes. A tolerância só mostra a sua face quando desaprendemos a observar o outro como extensão nossa.
Vejo-a surgir quando o outro passa de mão a apêndice inflamado.
Acaso não te sentes íntimo de teus orgãos e membros? Íntimo a ponto de saber o quanto eles doem e o quanto te fazem falta. Mas, na mesma medida em que acaba a paixão e o câncer da tolerância aparece, sabes que haverá o momento do corte. Chegará o momento em que o outro em ti não passará de um tumor a ser extirpado.
E se você mergulhar fundo como eu...
Perdi um dos olhos, um pulmão, as duas pernas e metade do braço... não me force mais a ser mais intimo de Ninguém.
Um dia irei amar alguém Que me ame como meu fígado o faz. Ele eu sei que me ama.

Rolling Stones in Hell



Na minha tour pelo inferno fui visitar Sísifo ao terceiro dia.
Estava parado no alto do morro com a famigerada pedra do trabalho inútil e a multidão esperava ansiosa para vê-la rolar novamente.
Depois de três dias aqui ficou evidente que o povo se diverte com o castigo dos outros. Parece muito com o Brasil neste aspecto.
A pedra ainda não rolara. A multidão ensaiava um olé enquanto esperava. Essa espera já estava durando uns 15 minutos e eu pude notar que havia algo de errado com o espetáculo de tortura.
Foi aí que percebi que Sísifo chorava enquanto tentava equilibrar a enorme pedra no cume. Tentava livrar-se da pena injusta abandonando-a no lugar mais difícil.
Decidi ir até ele então.

- Quer ajuda, cara?

Meu grego é péssimo mas Sísifo pareceu entender. Equilibrei com ele a pedra e foi possível juntar apoio para a enorme esfera de rocha.
O castigo do desobediente e astuto demônio que enganara deidades e a morte só perdurara porque no inferno não há compaixão, companheirismo ou solidariedade.
Estava orgulhoso por poder trazer essa lição a massa cruel que logo se dispersou após ver que o show chegara a seu fim. O espírito de Sísifo estava liberto.

Enquanto apreciava a vista Sísifo tocou meu ombro:

- Angelo Vendetta, você sabe o porquê do inferno?

- Não.

- Isto é uma prisão. Todos aqui pagam por algum crime. Cuidado com o que você liberta... E obrigado.

De repente comecei a ficar bolado com o cachorro que libertei quando chegamos.