15 de abr. de 2010

A Descoberta do Tempo

A tensão causada pela tese de que não há moto-perpetuo abalaram a cidade de Ur.


O Conselho reuniu-se prontamente para fazer cessar toda e qualquer tentativa de construir uma máquina que almejasse alcançar o famigerado estado. Geômetras e filósofos ganharam vigilância redobrada em suas sessões privadas. Suas reuniões públicas proibidas. Os visitantes tidos como sábios deveriam dirigir-se ao Templo para poder confabular com os sábios locais ou mesmo para circular pela cidade.


Yem Wabii Galmesh, vindo do oriente, profeta em sua cidade natal, vem mais uma vez obter as famosas peças de cerâmica, perfeitas para suas clepsidras, e fazer algumas anotações astronômicas com seu antigo amigo e mestre escriba.


Ur atraía para si toda a riqueza da época. Seus pedreiros eram exímios construtores e as praças e casas luxuosas de dois andares denunciavam um grande futuro para a cidade. Ferreiros buscavam o segredo dos metais e astrônomos e filósofos procuravam os escribas para perpetuar seus conhecimentos.


Sob o sol vermelho do final da tarde Galmesh contemplava a maravilha que se erguia no meio do deserto mas o tempo estava contra ele dessa vez e precisava descansar logo de sua longa viagem.


Ao pisar no gigantesco e caótico mercado procurou o amigo que fazia o melhor fermentado de trigo de todo continente. Na última vez em que esteve aqui Galmesh curou a febre da filha do mercador e este, eternamente grato, ofereceu sua casa para abrigá-lo sempre que visitasse a cidade. Ulubai o recebeu alegremente e o avisou de que teria de se confrontar mais uma vez com o Templo para conversar com Daestiny, o tradutor.


No dia seguinte, Galmesh parte em sua missão.


- Onde posso encontrar o sábio Daestiny? - pergunta no templo principal de Ur ao sacerdote menor Tabek.
- Você não pode entrar sempre aqui com essa sua empáfia e sem obedecer os ritos completos para falar com os sacerdotes maiores, profeta estrangeiro.
- Diga ao mestre Tonsei que eu já me ajoelhei diante de todos os ritos nos templos menores e busquei o selo de todos os templos médios na primeira vez em que nos encontramos. Quando fiz isso, apenas por respeito, obtive permissão para falar com ele. E, apenas por respeito...
Eis que mestre Tonsei irrompe sala a dentro mexendo rapidamente com as mãos para que todos saiam.
Galmesh senta sobre uma das almofadas luxuosas que compõe a sala de trono do templo onde estão e observa sorrindo os guardas e sacerdotes saírem.
- Minhas sinceras saudações, Tonsei.
- Profeta insolente, como ousa?
- Construo clepsidras, lembra? Gozo do privilégio dos construtores.
- Herege!
- Alto lá!- o profeta interrompe o sacerdote em voz alta, levantando-se da almofada.
Tonsei emudece sob o olhar sério de Galmesh.
- Cumpri os seus ritos mais absurdos apenas para ter a chance de ter uma entrevista com um homem que se arroga o direito de ser chamado de Sua Santidade. Discuti com este homem que ao organizar a sua doutrina poderia fazê-lo sem esta "ritualística" desnecessária. Expliquei a esse mesmo homem no que podem crer os homens que respeitam as falas da alma e da natureza e que as palavras de ordem devem querer sempre o bem dos homens.
- Você não acredita em nossos valores.
- Eu me expliquei a você por acreditar no entendimento e não só na espada.
Tonsei estava visivelmente perturbado com a presença daquele estrangeiro que parecia não temer a morte que poderia decretar-lhe a qualquer momento. Não podia negar o profundo respeito conquistado ao vê-lo derrotar facilmente dois de seus guardas apenas para uma entrevista em sua última visita.
- E não violei o segredo de nossa conversa anterior.
- Eles estão nos ouvindo escondidos.
- Não me importa. Não tenho a intenção de fazer o povo enxergar a tirania que sua religião impôs às pessoas para que vocês vivessem no luxo. Quero apenas estar livre das obrigações impostas aos outros pelos seus costumes.
- A sua presença na cidade já é uma afronta a minha autoridade e ainda me pede para afrontar a crença?
- Seus guardas têm a minha palavra de que não irei abusar de meus direitos e não excederei em nada que possa ser considerado heresia.
- Que assim seja. Vá procurar Daestiny nas catacumbas. Os guardas o escoltarão.
- Assim seja. Que a luz se faça, Tonsei.

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