6 de jan. de 2011

Hashis from Hell


Ela pinçou os meus nervos com hashis. Não tenho outra descrição. Pinçou, catou como se pega um yakisoba, sei lá o nome dessas comidas, nunca soube direito o que era aquela mistura de coisas salgadas e doces, quentes e frias, mas tudo com cheiro de chulé. Pequena, com indiscutíveis traços orientais, cabelos negros lisos ameaçando tocar os ombros brancos, vestida como uma yuppie, andando como uma puta bêbada. Uma mulher de ouro, segundo Borges, com violência nos olhos e suor na palma das mãos.
- Yashedo – disse, com voz de alfazema – Yashedo Nagayashi, mas meus amigos me chamam de Yashi – e sorriu.
Mesmo na semi-escuridão do bar, vi que estava ligeiramente alcoolizada. Seu tailleur abria-se e deixava à mostra uma fina blusa de seda branca, e mamilos acesos como olhos. Olhando para mim, inquisidoramente.
- Ei! Você está me ouvindo?
- Sim?
- Tem mais desse negócio que parece picolé de limão? – apontava a garrafinha de Ice alguma coisa.
- Dizem que isso é bom com vodka – disse, atendendo às suas expectativas de um papo.
- É? Vamos ver se é mesmo? – e sorriu novamente.
Eu estava acostumado ao tipo. Bonita, nova, bem sucedida nos negócios, mas sem tempo para envolvimentos emocionais. Uma trepada com o barman na noite de sábado, e era o suficiente para preencher suas idéias de relacionamento. Uma pena ela ter escolhido o barman errado.
Coloquei a Ice em um copo longo, desses de água, e vodka até o talo. Ela sorriu e bebeu em um só fôlego, para mostrar que podia. Engasgou, tossiu e ficou vermelha de vergonha.
- No próximo eu melhoro.
Coloquei outro copo de Ice.
- E a vodka?
-  Tem certeza de que você é capaz? – e sorri.
-  Claro que sim!
- Então vamos complicar um pouquinho mais. – Bebi uma generosa dose de Stolichnaya no gargalo da garrafa, bochechei e cuspi no seu copo.
Parecia uma criança que vira um truque de mágica. Sorriu, bateu palmas e, um pouco relutante, encostou os lábios no copo. Provou, pareceu gostar, e bebeu tudo, dessa vez sem engasgar.
- Ficou bom, assim. E você, não bebe?
- Não trabalhando.
- E a que horas você sai?
- Depende do movimento...
- Oh, C’mon... São duas da manhã, o bar está vazio... Beba uma comigo.
- Ok. – e abri outra Ice, colocando no copo. Quando peguei a garrafa de vodka, ela tomou de minha mão.
- Não, tem que ser do mesmo jeito! – e encheu a boca de vodka.
Não dei tempo dela colocar no copo. Debrucei-me sobre o balcão e puxei todo o líquido de sua boca. Ela ainda tentou posicionar a língua para o beijo, mas não lhe dei tempo, sugando toda a vodka, e fazendo-a babar sobre a blusa de seda fina.
- Ah... Olha o que você fez! – e soltou uma gargalhada. Sorri também, mais por obrigação do que por vontade. – Que horas fecha essa espelunca?
- Para quê?
- Para a gente sair, dançar um pouco... Você conhece algum lugar legal aqui perto?
- Vários...
- Então?
Pensei várias vezes. Afinal, não faria mal algum. Não para mim.
- Hey, Danilo! Segure as pontas do bar para mim que eu vou sair – disse, pegando minha jaqueta e pulando o balcão, ainda a tempo de ver o Danilo levantando a cabeça da trilha de coca e fazendo um ok com o polegar.
- Uau! Mas você é rápido, hein?
- Nem sempre... Posso ser bem lento quando quero.
- Hmmmm... Esse é o meu tipo de homem! – inclinando-se para me dar um beijo, do qual me esquivei e deixei que acertasse meu rosto. – Para onde vamos? – disse, um pouco sem graça.
- Eu te mostro, venha comigo.
E saímos andando pelas ruas escuras do Centro, na madrugada.

Não demorou para que chegássemos na boate, onde pessoas vestidas de preto se acotovelavam ao som de uma batida constante, e semiluminadas por luzes coloridas que piscavam e me irritavam. Yashi entrou solta na pista, um animal doméstico, um cãozinho no meio da floresta.Os esquisitos góticos (como se os Godos houvessem um dia se vestido assim...) abriam espaço para ela sem notá-la, quase. Afinal, esquisitice ali era requisito necessário para a ambientação, e aquela japinha de tailleur, cabelo solto e olhos revirados pelo álcool não era exatamente a mais esquisita.
Ignorando os seus chamados para que eu dançasse com ela, fui ao bar. Comprei um brandy para mim (não que eu fosse beber), e uma Ice para ela, já que pareceu gostar tanto daquela porcaria.
Achei uma mesa, e nela parei. Pousei meu copo sobre o mármore, e afastei com os pés as cadeiras que estavam entre a mesa e a pista, e acenei para ela com a pequena garrafa.
Eu queria poder dizer que a minha japinha parecia um ninfa flanando por entre os mortais da boate, mas não. Bêbada, ela parecia esquecer que estava em uma pista de dança, tentando se equilibrar nos diminutos scarpins. Quando se lembrava, mexia-se desajeitadamente, esbarrando nos outros e sorrindo para mim.
Não demorou para que ela desistisse daquela pantomima, e viesse até a mesa. Pegou a garrafinha de vodka com limão de minhas mãos e sorriu, passando a língua nos lábios.
- Já está batizada?
- Não.
- Então porque não o faz?
- Estou tomando brandy, querida.
- Então vamos trocar -  e inclinou o corpo para me beijar, a tempo que eu me esquivasse e ela quase caísse, se apoiando na mesa. Pegou meu copo de brandy e virou de uma só vez. Quando olhei, espantado, ela aproximou o rosto e borrifou o uísque em meu rosto. Instintivamente, fechei os olhos.
- Merda... – disse, passando a mão na cara.
- Deixa que eu limpo – e, puxando minha cabeça com as mãos, começou a lamber o meu rosto.
Sua língua estava quente e era macia, deslizando com saliva e bebida pelo meu rosto. Quando chegou em minha boca, invadiu-a rápida e sofregamente, pois esperara por aquele beijo a noite inteira. Decidi fazer o seu jogo, e abri meus lábios para que ela entrasse, já que era o que tanto queria. Deixei minha língua penetrá-la, e libertei os meus instintos.
Quando seus lábios se molharam com a minha saliva, ela tentou um sorriso sufocado por minha língua, mas seus olhos se abriram com espanto e delícia ao olhar para a minha pupila avermelhada.
Minha língua lavou as paredes internas de sua bochecha, e junto com elas os últimos resquícios de pudor e moralismo. Quando toquei o seu palato, senti sua língua tremer, como se expirasse um orgasmo, como fibrila um clitóris ou apertam (como uma mão quente e amiga, já dizia o Rei Lagarto) as mucosas vaginais. Suas mãos exploravam minhas costas, e tocavam meus omoplatas como se procurassem as asas.
Afastou-se de mim em um empurrão, e olhava-me, incrédula, assustada, um misto de nojo e tesão que me fez deixar escorregar um sorriso para o canto de meus lábios.
- Querida... Algum problema? – perguntei, tão sem propósito como o copo de brandy na mesa.
- Você... Não, não... Nada.
Abotoava o tailleur, arrumava os cabelos, qualquer coisa que ocupasse suas nervosas mãos, quando toquei seu queixo e levantei seu olhar em direção ao meu.
Um brilho estranho cobria seus olhos, como se quisesse chorar, mas não me importei. Com a mão fortemente em sua nuca, puxei-a um tanto que contra a sua vontade, de volta para meu rosto. Desta vez não aproximei meus lábios, mas lambi os seus, como um cão. Ela se deixou desfalecer em meus braços, e abriu sua boca em um suspiro semiovalado. Mais uma vez, penetrei em sua boca, dessa vez deixando cair todas as minhas barreiras e libertando ao mesmo tempo o calor e as imagens. Não sei o que ela viu, mas enquanto nossas línguas se tocavam, ela estremeceu mais uma vez e perdeu os sentidos. Suguei ainda mais um pouco de sua energia, e sentei-a à nossa mesa, saindo para ir ao balcão buscar mais uma garrafa de água mineral. Sem gás.
Quando voltei, um biote estava sentado em minha cadeira, murmurando gracinhas para a minha presa semi-acordada. Ora, que se danassem as máscaras.
Bati em seu ombro.
- Saia.
- O quê?
- Saia. Agora! -  e exibi as minhas pupilas vermelhas, com um sorriso.
O rapaz levantou-se cambaleando, quase derrubando a cadeira. Ele não se lembraria disso no dia seguinte, ou alocaria junto às memórias fantásticas causadas pela bebedeira. Mas era divertido fazer isto, sometimes.
Abri a garrafa d’água, e derramei em seu rosto. Ela acordou quase se afogando, ofegante e assustada.
- O que aconteceu?
- Nada, querida, você apenas adormeceu. Vamos para o teu apartamento.
Não precisei usar sequer modular a minha voz. Yashi sorriu e levantou, ainda meio tonta – Vamos.
No táxi, ela encostou a cabeça em meu ombro, e eu evitei de beijá-la novamente, até que chegássemos ao seu apartamento.
Quando chegamos ao seu apartamento, Yashi tirou o tailleur e a blusa de seda fina, chutando os scarpins para um outro canto da sala. Safada, estava acostumada ao sexo esterilizado, higiênico, fácil demais. Fiquei parado sob o portal, com as mãos nos bolsos, observando o local. O apartamento era antigo, daqueles com pé direito duplo e cômodos enormes, com rodapés trabalhados em gesso. Bom, muito bom para ser usado como templo.
- Você não vem?
- Ainda não fui convidado.
- Entra, deixa de bobeira – e a minha japonesinha, de saia e sutiã, apenas, veio buscar-me pela mão.
Ela começou então a tirar minha jaqueta, com o pretexto de aproximar seu rosto para um beijo. Já esquecera, devido à bebida, de sua primeira experiência.
Beijei-a, dessa vez com mais intensidade, sem as barreiras que me impus na boate, enquanto fechava a porta com a sola da bota, em um coice. Enquanto sua energia fluía diretamente de sua garganta para a minha, seus olhos perdiam a cor e os arfejos tornavam-se mais profundos. Semidesfalecida em meus braços, joguei-a na cama, e puxei sua saia. Havia outros vetores de energia a serem explorados...
Puxei sua saia e sua calcinha, revelando seus pêlos pubianos negros, dispostos em um sexo pequeno e magro. Umedecido, seu cheiro tornou minhas pupilas vermelhas como sangue, e arrepiou os pêlos de minhas pernas. Colei meus lábios neste sexo, e, enquanto a minha língua penetrava em seu canal vaginal, eu sugava sua energia pelo chakra mais exposto que o ser humano possui. Ela gozava, tremia, arquejava seu tronco pequeno e dava com o calcanhar em minhas costas.
Sua energia vital fluía diretamente da abertura de seu sexo para meu corpo. Mesmo desmaiada, ela ainda tremia ao toque de minha língua e de meus lábios. Decidi devolver um pouco de sua vitalidade, afinal, não queria perder a minha pequena japinha, cujo pulso já estava fraco e a pele perdendo o calor. Despi-me da calça, e meu membro saltou rígido como o de qualquer mortal faria.
Escolhi a forma masculina para habitar neste mundo não por acaso. O poder concentrado na força, a violação sob forma de carinho, a inoculação energética sob a forma de uma haste; fatores fundamentais para a apreciação do gosto real do ser humano. Mesmo não tendo sexo, nós temos preferências, e indo de encontro ao que sempre acontece com outros (sim, há outros, e eles preferem habitar corpos femininos por se adaptarem melhor à delicadeza. Ou não verem beleza na força), escolhi este corpo forte e peludo, quase um macaco. Mas todos os humanos são macacos, uns mais pelados que outros, apenas.
O corpo pálido e frio largado à cama me chamava como um pentagrama chama seus habitantes, e não o deixei esperando. Toquei a carne de seu sexo com a ponta de meu membro, lubrificando-o e preparando-o para o coito, e não percebi que o céu já havia clareado. Quando penetrei as suas carnes trêmulas, o primeiro raio de sol entrou atrevidamente pela janela, e, ao mesmo tempo em que eu arqueava o corpo para preencher cada espaço de seu ventre, a luz nos tocou e minhas asas rasgaram a fina pela de minhas costas, e se estenderam até o teto do apartamento. No frenético movimento coital humano, um vai e vem sem pausas ou ritmo cadenciado, eu chegava a levantar seu corpo acerca de um metro da cama, segura apenas pelas minhas mãos em seus quadris e minha haste em seu canal. Optei então por gozar sem a emissão de líquido seminal para não deixar nenhuma semente, apenas de energia, e puxei-a até sentir os seus pêlos pubianos tocarem a minha virilha, ao mesmo tempo em que ela era sacudida por um violento espasmo pela torrente de energia que eu devolvia a seu corpo, purificada, imaculada.
Vesti a calça jeans, dei uma última olhada em Yashedo, caída ainda desmaiada na cama, com as pernas abertas, expondo seu sexo ferido e vermelho pelo atrito incomum, catei o resto de minhas roupas e abri a janela.
A cidade lá fora começava a nascer, impulsionada pela luz. Acocorei-me no parapeito, abri as asas e me lancei ao alto, de volta para o meu bar.
O Rio é uma cidade muito estranha mesmo, ninguém ia reparar em um anjo cruzando o firmamento àquela hora da manhã.


São Gonçalo, 29 de dezembro de 2003

3 comentários:

  1. Olá amigo. Belo blog, fique à vontade para usar meu texto, será uma honra para mim.

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  2. Eletrizante!! E nos detalhes uma enciclopédia exoterica da vida noturna deixa rastos de vidas passadas, espelhos possíveis em mim - Fueda!

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